"(...)eu acredito que tudo se resolve conversando (....) não há necessidade de barraco (sic)" (anônimo-SP)
"Fiquei muito tempo tentando meus direitos(...) mas tanto funcionários como gerência enrolavam e diziam que eu não ia conseguir nada(...) (Eliana M- SP)
Dois aspectos de uma mesma questão, resumidos aqui em dois comentários enviados por leitores, que representam a visão de quem comete as irregularidades e a de quem sofre com elas: é possível resolver crimes contra o consumidor apenas chamando atenção do próprio infrator para a irregularidade ou abuso?
Infelizmente parece que não. E a resposta é muito simples: quem comete abuso e infringe leis no Código do Consumidor em geral não considera que está cometendo um crime. Ainda existe a mentalidade de que vale tudo na busca do lucro e que quem deve evitar o abuso é o próprio consumidor.
Vamos a três exemplos que comprovam essa tendência: reclamação registrada contra um supermercado que constantemente utiliza a colocação de preços inferiores em produtos com baixa venda. Em geral o consumidor apressado visualiza o preço embaixo ou próximo ao produto, coloca no carrinho e quando a compra é composta de muitos ítens não percebe que ao passar pela caixa registradora o preço é outro, muito mais alto.
"Comprei várias caixas de cereal que estavam com preço ótimo e ao chegar em casa e verificar a nota o preço era quase o dobro. Eu jamais compraria esse cereal a esse preço e tive um prejuízo apenas nesse ítem de mais de R$ 16,00" . Esse consumidor retornou ao supermercado para reclamar, mas não conseguiu reaver o valor porque a etiqueta já havia sido retirada da prateleira.
Segundo exemplo que chega com frequência: promoções de inverno em lojas de vestuário. Algumas lojas mostram ofertas reais, necessárias para a troca de estoque. Outras usam as promoções de maneira irregular. Um exemplo são as lojas que não determinam quais seriam as peças com os descontos prometidos. Exibem grandes cartazes onde se lê "descontos de até 50%", mas o consumidor não sabe exatamente qual essa variação, pois as peças vem com código e não com etiqueta do desconto ou valor descontado. Apenas depois de escolhidas as peças esse consumidor vai saber qual é esse desconto, já no caixa. Nunca será de 50% ou mesmo 40%, mas sempre abaixo ou sem desconto (peças que não estariam na promoção, mas que são apresentadas ao cliente sem que isso seja alertado)
Ao final da compra o consumidor não percebe que usufruiu de promoção apenas em um minoria das peças.
Terceiro exemplo, constante também em muitas reclamações indignadas: troca de peças. Não existe uma legislação específica a respeito da obrigatoriedade de troca quando o produto está sem defeito, mas isso quando nega essa possibilidade ao cliente antes da compra.
Caso a loja se comprometa a fazer a troca, deve respeitar o acordo. Ocorre que em peças compradas em promoção o consumidor que fizer troca pode perder a vantagem do preço nessas lojas que não etiquetam os valores do desconto, ou seja, quando o desconto é feito posteriormente o cliente não tem como comprovar que tem direito ao desconto "X" ou "Y" quando a peça não for absolutamente idêntica. Em geral essas lojas "empurram" produtos "fora da promoção" obrigando o cliente a pagar diferenças mesmo quando o artigo da troca é similar. Ou seja, diluiu-se de vez as vantagens anunciadas! Isso é crime contra o consumidor.
Para o comércio consumidores que reclamam os seus direitos são "inconvenientes" e criam problemas. Daí a reclamação de que clientes "não precisam fazer barraco" o que quer dizer não chamar a atenção de outros clientes para a ilegalidade.
No entanto a principal defesa do cliente que se sente lesado é chamar a atenção para o problema. De certa maneira isso alerta outros consumidores e obriga o comercio em questão a corrigir os abusos.
E abusos de fato estão se multiplicando ao invés de se reduzirem. O motivo é a ausência de punição. Alguns Procons desestimulam o consumidor a registrar denúncias e isso reforça a sensação de poder e invulnerabilidade daqueles que cometem crimes previstos no Código de Defesa do Consumidor.
Confiantes na impunidade, aqueles que cometem abusos para lucrar mais respondem com ironia ao consumidor que pede respeito à lei. Chegam mesmo a criar ambiente constrangedor, de maneira a tornar a tarefa de reivindicação dos direitos quase impossível. No mínimo extremamente difícil!
Portanto conversar com pessoas habituadas ao abuso do consumidor raramente resolve alguma coisa. A conversa apenas surte efeito entre aqueles que de fato cometeram um engano e se apressam em corrigi-lo. Mas quando existe má-fé e hábito do abuso, não irá adiantar ao consumidor recitar as leis do Código de Defesa, pois elas serão ironizadas e ignoradas.
Neste caso entende-se a necessidade de "barraco", quando consumidores indignados levantam a voz para denunciar aos presentes o dano sofrido. Pelo jeito "barraqueiros", assim chamados pelos que exercem abuso ao consumidor, exercem um ato de cidadania, denunciando o fato que a Justiça não consegue punir.
Aliás, referir-se ao consumidor indignado como "barraqueiro" é também passível de punição, enquadrando-se nos casos de constrangimento moral. O consumidor tem seus direitos assegurados não apenas pelo Código de Defesa do Consumidor, mas pela própria Constituição Federal.